terça-feira, 29 de setembro de 2015

Ação pública incondicionada na Lei Maria da Penha - A ADIN de 2011 no Supremo Tribunal Federal: Maior espectro de proteção ou limitação à autonomia individual?

Postado por Thânia Evellin Guimarães de Araujo - Direito/UNB- Monitora de Direito de Família

Em 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) processou e julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4424), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; art. 16; e art. 41 da Lei n.11340/2006, que torna a ação de violência contra a mulher em ação pública incondicionada. Não cabe mais à vítima, portanto, desistir da denúncia feita contra o agressor, e o Ministério público poderá dar continuidade ao processo.
A decisão pode ser avaliada por dois âmbitos. O primeiro ângulo visa a defesa da vítima, que muitas vezes, por questões de dependências emocional, psicológica ou financeira, acaba por retirar a queixa, deixando o agressor sem punição. Na posição de uma ação pública incondicionada, fatores que poderiam manter a exposição da vítima ao agressor, são cerceados, e a eficácia da denúncia aumenta a confiança de outras vítimas em recorrer à justiça.
O voto do Ministro Ayres Britto, quando assistido na íntegra, demonstra claramente os motivos desta decisão do STF, e é bastante convincente em mostrar que a vítima de agressão não tem meios suficientes para ser vista de forma imparcial na desistência de uma denúncia.
À época, o Min. Ayres Britto, em seu voto, se referiu ao educador e filósofo Paulo Freire com a citação, “O sonho do Oprimido é ser não opressor do opressor, mas um opressor dos seus antigos companheiros de opressão”. O que significa dizer, que aquele que é oprimido não visa assistir um fim trágico de seu opressor, no caso, a condenação do agressor, e que por vezes acaba por fazer a escolha de deixar outros à revelia deste mesmo opressor, tomando então o lugar de opressor secundário.
De igual modo, mencionou a teoria de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, sobre a relação de dominação presente nas relações de gênero, e concluiu que o “os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista, não deles, mas sim dos dominantes às relações de dominação. Fazendo-as assim ser vistas como naturais, o que pode levar a uma espécie de auto depreciação dos dominados, de auto desprezo na representação que as mulheres fazem do seu sexo, do seu gênero, como algo feio, e até repulsivo.”.
Em suma, aquele que se encontra em situação de oprimido sempre será levado a crer que fez algo para que aquilo acontecesse, ou de alguma forma, se sentirá compelido a não imputar ao agressor uma pena, que ele, no papel de dominado, acredita não ser cabível.
A outra vertente se trata do direito à liberdade sobre suas ações. Durante a votação, o Ministro Cézar Peluso foi contra a ação de inconstitucionalidade, e com relação à mudança para ato público incondicionado da ação, o Ministro entendeu, em seu voto, que deve ser dado à mulher o poder de escolha sobre sua ação, e que se a forma condicionada da ação constituía a Lei, é porque o legislador e os sociólogos de sua construção tiveram motivo para tal.
Há a observância, no entanto, de que em casos de violência à mulher, numa sociedade ainda dominada culturalmente pelo poder patriarcal, o poder coercitivo do marido sobre a mulher pode acarretar deficiência na aplicação da Lei, sendo então, um benefício mais amplo, o cerceamento parcial da liberdade, em prol do fim da violência àquele em situação vulnerável.


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