Postado por
Thânia Evellin Guimarães de Araujo - Direito/UNB- Monitora de Direito de
Família
Em 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) processou e julgou
uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4424), ajuizada pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; art. 16;
e art. 41 da Lei n.11340/2006, que torna a ação de violência contra a mulher em
ação pública incondicionada. Não cabe mais à vítima, portanto, desistir da
denúncia feita contra o agressor, e o Ministério público poderá dar
continuidade ao processo.
A decisão pode ser avaliada por dois âmbitos. O primeiro
ângulo visa a defesa da vítima, que muitas vezes, por questões de dependências
emocional, psicológica ou financeira, acaba por retirar a queixa, deixando o
agressor sem punição. Na posição de uma ação pública incondicionada, fatores
que poderiam manter a exposição da vítima ao agressor, são cerceados, e a
eficácia da denúncia aumenta a confiança de outras vítimas em recorrer à
justiça.
O voto do Ministro Ayres Britto, quando assistido na
íntegra, demonstra claramente os motivos desta decisão do STF, e é bastante
convincente em mostrar que a vítima de agressão não tem meios suficientes para
ser vista de forma imparcial na desistência de uma denúncia.
À época, o Min. Ayres Britto, em seu voto, se referiu ao
educador e filósofo Paulo Freire com a citação, “O sonho do Oprimido é ser não
opressor do opressor, mas um opressor dos seus antigos companheiros de
opressão”. O que significa dizer, que aquele que é oprimido não visa
assistir um fim trágico de seu opressor, no caso, a condenação do agressor, e
que por vezes acaba por fazer a escolha de deixar outros à revelia deste mesmo
opressor, tomando então o lugar de opressor secundário.
De igual modo, mencionou a teoria de Pierre Bourdieu,
sociólogo francês, sobre a relação de dominação presente nas relações de gênero,
e concluiu que o “os dominados
aplicam categorias construídas do ponto de vista, não deles, mas sim dos
dominantes às relações de dominação. Fazendo-as assim ser vistas como naturais,
o que pode levar a uma espécie de auto depreciação dos dominados, de auto
desprezo na representação que as mulheres fazem do seu sexo, do seu gênero,
como algo feio, e até repulsivo.”.
Em suma, aquele que se encontra em situação de oprimido
sempre será levado a crer que fez algo para que aquilo acontecesse, ou de
alguma forma, se sentirá compelido a não imputar ao agressor uma pena, que ele,
no papel de dominado, acredita não ser cabível.
A outra vertente se trata do direito à liberdade sobre suas
ações. Durante a votação, o Ministro Cézar Peluso foi contra a ação de inconstitucionalidade,
e com relação à mudança para ato público incondicionado da ação, o Ministro
entendeu, em seu voto, que deve ser dado à mulher o poder de escolha sobre sua
ação, e que se a forma condicionada da ação constituía a Lei, é porque o
legislador e os sociólogos de sua construção tiveram motivo para tal.
Há a observância, no entanto, de que em casos de violência
à mulher, numa sociedade ainda dominada culturalmente pelo poder patriarcal, o
poder coercitivo do marido sobre a mulher pode acarretar deficiência na
aplicação da Lei, sendo então, um benefício mais amplo, o cerceamento parcial
da liberdade, em prol do fim da violência àquele em situação vulnerável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigação por participar conosco.